Arquivo da tag: filosofias da terra

Anotações sobre o tempo

Parte 1

“A pergunta que mais me fazem em relação à Toca é quanto tempo eu levei para construi-la. Costumava responder que a fiz em doses homeopáticas, indo construir em algum final de semana quando dava. Nisso deve ter ido um ano e meio.

Tenho pensado porquê o tempo importa tanto. Uma das melhores coisas que posso dizer sobre ter feito a Toca é que levou tanto tempo. O tempo dá forma às coisas. Quando eu chegava semanas depois para continuá-la, ela já não era a mesma de quando eu a havia deixado. Brotaram outros sonhos para cada detalhe. Muitas coisas passaram por ali graças ao tempo suavizado naquele espaço.

A mente é orquestrada pelo tempo sensorial. Ela quer que sua obra “fique pronta” em um mês, sendo que não tem controle sobre todas as circunstâncias e inesperadas surpresas que a natureza vai conjurar nem no dia seguinte. Ainda que você apenas utilize matérias naturais: se o trabalho for feito pra cumprir essa ilusão, ele vai gastar a sua energia ao invés de te alimentar.

O resultado pode ainda assim ficar bom, mas a alma de uma forma que é natural porque seu tempo de se formar também o foi, isso foi perdido. Essa alma teria sido muito visível.”

Texto: Melissa Webster

2 Comentários

Arquivado em bioconstrução

Esculpindo espaços sagrados

“Um espaço sagrado é […] transparente à transcendência, e tudo dentro desse espaço fornece uma base para meditação […]. Quando você entra pela porta, tudo dentro desse espaço é simbólico, o mundo inteiro é mitificado. Viver em um espaço sagrado é viver em um ambiente simbólico onde a vida espiritual é possível, onde tudo ao redor de você fala sobre a exaltação do espírito. Esse é um lugar onde você pode simplesmente experienciar e criar o que você é e o que você pode ser. É um espaço de incubação criativa. A princípio você pode achar que nada acontece ali, mas se você tem um espaço sagrado e o usa, algo eventualmente vai acontecer. O seu lugar sagrado é onde você encontra-se repetidamente.” – Joseph Campbell, em The Temple in the House, por Anthony Lawlor, AIA.

cob-banheiro

Construir com cob é ser um artista esculpindo um espaço sagrado de terra – como expressão de uma jornada individual em direção à saúde e inteireza. Das primeiras ideias sobre uma casa de cob até o término de seu processo de construção, criar com cob é fazer um trabalho de arte pessoal e simbólico.

Quando eu e Ianto começamos o nosso primeiro anexo de cob em uma cabana de madeira, achamos que fazer o nosso próprio material de construção se tornou um processo sagrado. Adorávamos cavar solos argilosos cedo da manhã e construir no entardecer. O prazer e satisfação que senti em meu corpo foram parecidos com a sensação que tive quando era criança e esculpi meu primeiro pote de argila. Estávamos, de fato, esculpindo uma casa de verdade com as mãos. Nossas ferramentas eram simples: nossas mãos e pés. Não fazíamos ideia que trabalhar com argila dessa maneira se assemelharia tanto aos movimentos de um escultor, e que iríamos imediatamente e continuamente nos sentirmos escultores.

Uma de nossas primeiras experiências veio da questão: “Qual seria a maneira mais fácil de fazer uma janela redonda?”. Algo maravilhoso aconteceu quando percebemos que poderíamos colocar uma pedaço de vidro diretamente na parede e esculpir ao redor dele para criar a forma que quiséssemos. Esse é um processo muito diferente de construir um marco de madeira, e é realmente muito fácil.

Eu me dei conta que construir uma casa com argila foi tão simples e natural que eu não precisei ter tido experiências anteriores em carpintaria ou construção. Eu pude abordar isso como uma artista e como humana, com habilidade inata de criar um abrigo. A precisão requisitada para construção com madeira não foi necessária nesse estilo fluído de construir. Assim como cada humano, cada construção de cob é “única”, contendo as memórias, as mãos, os pés e as risadas de quem ajudou a construí-la. Construir com cob dá um grande senso de empoderamento que nos conecta com aquelas primeiras experiências que tivemos com argila na infância, e nos guia em direção a nos tornarmos escultores de nossos próprios ambientes sensíveis e naturais.


Tradução: Melissa Webster (EVANS, Ianto. SMILEY, Linda. SMITH, Michael G. The Hand-Sculpted House. Chelsea Green, 2002)

Deixe um comentário

Arquivado em Uncategorized

Sobre plantas que acompanham seres daninhos

Costumamos chamar alguns vegetais de ervas-daninhas ou plantas invasoras. Muitas são comestíveis (as queridas PANCS), mas outras não. Todas, contudo, são vegetais extremamente importantes para a reparação de solos e, sobretudo, indicam qual a qualidade de um solo em determinado momento. Em vez de querer nos livrar delas, vamos aprender o que elas têm a ensinar.

Trevo (Oxalis Oregana)

Trevo (Oxalis Oregana)

Mais do que errado, o termo ervas daninhas é preconceituoso e baseado numa visão utilitarista. Repare, o termo daninhas já indica que elas são prejudiciais, perniciosas, que causam dano. Mas, elas causam mesmo? Na natureza não existe nada que cause dano. Felizmente só conseguimos falar de bem e mal, um discurso que envolve a moral, para questões humanas, e as plantas são vegetais. Nem bons, nem maus. Nunca daninhos, danosos. Só a partir desse raciocínio, o termo “erva daninha” já começa a parecer errado.

O termo ruderais é sinônimo de ervas-daninhas, mas sem esse juízo de valores em cima delas. Ruderal significa “planta que acompanha o homem”. Ou seja, onde o homem vai e desmata, queima, corta, lá vem as plantas ruderais para ocupar o solo. As plantas espontâneas, que nascem sozinhas.

Essas plantas têm a habilidade de deixar o ambiente sempre mais fértil, mais solto, mais úmido e mais rico em vida. Sempre. São aquelas que nascem onde nada mais nasce, e vão preparando terreno até que as plantas mais sensíveis possam nascer, seguidas de plantas maiores, até a reposição da vegetação.  Dessa forma, raramente você verá as plantas ruderais, “daninhas”, numa floresta com solo rico e fértil. Ali, elas não tem mais trabalho a fazer. Aliás, há sementes que ficam décadas no solo esperando o solo ficar compactado, seco, pobre e raso para brotarem. É o plano de saúde do solo. A esse “plano de saúde” natural damos o nome de banco de semente do solo. Se a terra fica doente, essas sementinhas entram em ação. E não, não estou inventando nada disso. Ana Primavesi já escreveu sobre isso.

Aí está a mágica! Certas plantas têm essa função na natureza, a de equilibrar, reestabelecer. Por exemplo, se o solo está muito compacto, a tendência é que nasçam plantas de raízes longas e profundas. Elas naturalmente descompactam o solo e o deixam fofinho, permitindo a entrada de água. Espécies não comestíveis como a vassourinha de botão e a guanxuma são terríveis de arrancar porque a raiz vai fundo na terra. Quando a planta morre, essas raízes viram túneis onde a água e a fertilidade penetram. E a terra vai afofando, afofando.

Fontes para mais informações: Guilherme Ranieri (autor do texto editado) / Blog Matos de Comer [link]

Blog Teia Orgânica [link]

Deixe um comentário

Arquivado em permacultura